quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Temps Noir

Quando eu reparei, tava ele ali encostado na parede, me olhando por detrás do chapéu; mãos no bolso, fumando um cigarro no canto da boca. Com ar sedutor e agressivo - como quem dizia vem-comigo-e-a-gente-se-acaba -, a sua face profetizava as seguintes palavras: 'Eu sou mais forte que você, e é por isso que eu vou vencer. Vencerei não apenas No-Fim-Das-Contas, mas a cada fração de segundo. Você vai sucumbir a mim, sabes disso, certo? Aliás, você sucumbe e se entrega sem nem perceber. Eu sei que você sabe, o detalhe é que você se esquece.'

Foi sim.. foi naquele olhar escondido pode detrás da fumaça que pude ver todos aqueles meus anos, todas aquelas minhas memórias e suposições do que poderia ter sido... os quais, no fundo, não importavam mais. Tudo havia passado; restara apenas o pó e algumas tristezas. Restara o medo. Restara você me contando das tuas nostalgias da meninice... de como o mundo lhe parecia mais leve.. Lembra? Engraçado, né? A ingenuidade da juventude se aplicava tanto na forma em que víamos a vida.. em como a sentíamos... mas a verdade é que o mundo foi sempre assim, a ordem-natural-das-coias, também. Você diz que queria voltar naqueles tempos.. mas eu não, acho que eu tenho um pouco de medo da minha infância. Sei também que, voltando ou não, esse encontro seria inevitável; não doeria menos adiá-lo. Pois, a verdade é que ele, ali, me olhando com desdém e superioridade, esteve sempre ali - e sempre estará, encostado naquela esquina, escancarado em qualquer lugar à espera de algum inconformado que se atreva a notá-lo.

Foi sim... foi naquele fim de tarde em que as coisas todas pareciam diluídas demais, distantes demais, que o Tempo, com aquele trejeito noir de fumar seu cigarro, olhou pra mim com aquela intensidade que há tempos não fazia, e foi assim mesmo, daquele jeito, que o olhar dele me tapeou a cara e o coração como há muito tempo eu não sentia.

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