terça-feira, 30 de março de 2010

Carta


Olá de novo!, 

Então, a última correspondência que pretendia mardar-lhe ficou presa em algum lugar entre o Marrocos e as terras da Catalunha. Ouvi dizer que o carteiro envolveu-se com uns violeiros e suas melodias e não quis mais continuar seu trajeto. Por fim, fiquei um tanto chateado pois a carta não era das menores, mas tenho a certeza de que o carteiro finalmente poderá ser feliz. 

Aluguei um quartinho na costa leste para que eu pudesse ficar mais perto do mar. O quartinho não é lá essas coisas, afinal, gastei minhas últimas economias em alguns espetáculos circenses, com alguns velhos poetas de rua e em umas garrafas de vinho provenientes do Mar Egeu. Estou bem, essa é a verdade. Passei novamente naquela pequena praça perto da antiga catedral, mas não encontrei o pipoqueiro cinéfilo com quem eu conversara da última vez. Encontrei em seu lugar, um Turco cansado que me vendeu um livro grande e pesado por apenas cinco mangos. Comecei a lê-lo naquela mesma tarde sentado no parapeito da minha janela. 

Ontem ao pôr-do-sol li algumas páginas que me deixaram curiosamente confuso, mas mesmo assim consegui finalizar algumas dessas confusões. O livro trouxe à tona um questionamento complexo: se eramos capazes de enfrentar nosso Ser mais interior sem interferências exteriores. E ainda mais: seria a humanidade seria capaz, algum dia, de humildemente olhar pra dentro si e conviver com todos os defeitos e qualidades, sujeiras e hipocrisias?  Indagou se seria possível tirarmos tudo de material e imaterial que nos cerca: pais, amigos, familia, estória, e encontrar um pequeno ser, cru e puro, o qual seria o que realmente somos. À priori temi possuir um Eu tão vasto e tão interno que jamais seria capaz de sentir sua existência. Mas depois concluí que existe sim em cada um de nós um Eu mais interno do que o que estamos acostumados, e ele vai crescendo e se consolidando junto com a gente. A existência precede a nossa essência, já dizia Sartre. Bom, pelo menos é nisso que acredito.

Outra reflexão fez-me pensar sobre a última decisão que tomamos, sobre eu e você. Percebi que a atitude que tomamos não foi nada mais que uma tentativa de salvar as poucas coisas boas que ainda compartilhávamos. Sinto-me estagnado. Farto das frustrações que tanto nos pressionavam. Não choro mais por ti, meu bem. Não anseio sua presença tristemente. Estou tão tranquilo quanto as ruas da quinta avenida nos dias de domingo. Espero que estejas assim também. Admito que, naquele dia, vi em seus movimentos um certo alívio, como quem precisava se livrar de um peso. Como se eu fosse esse peso. Acho que eu não precisava ter dito nada e você teria tomado essa decisão por nós. Mas tudo bem. Espero que cumpras com a promessa de me procurar em tempos de tormenta. Quero ser seu amigo, acima de tudo. Sempre soube que meu carinho por ti transcendia os padrões relacionamentais. Sempre soube que independentemente de suas companhias e amores, mesmo que nao me ames mais, amarei a ti até o fim. Aprendi contigo parte do que quer dizer esse amor tranquilo, mas só depois de muito cansasso pude deixar ele fluir naturalmente.

Acho que encontrei um estado de espírito que me traz uma felicidade mais palpável. Sinto-me leve. Tenho rido tanto, meu anjo, tenho tanta esperança de tudo! Aceitei a inconstância da vida e cansei-me de expectativas... Desejo-te força para levar suas responsabilidades com tranquilidade e sem hesitação também. Acredito em ti. E, eu imploro, você tem que acreditar em si! E tem que lutar até o ponto em que não precisará mais depender da boa e da má vontade dos seus responsáveis, o ponto em que e poderá viver livre como bem quiseres. Sabe, já passei por maus bocados que quebraram meu coração e minhas esperanças em infinitos pedaços... mas sempre tive a escolha de ficar perto de quem importava, sempre tive a escolha de continuar lutando independente de todo o resto. Cuide-se.
Por favor.

terça-feira, 23 de março de 2010

Sobre 'A Sombra do Vento', Carlos Ruiz Zafón

Deito para ler mais um livro... O vento frio que entra pela janela se entrelaça com o morno e aveludado de dentro do meu quarto. E os dois, revezadamente, acariciam minha pele enquanto me atrevo a entrar num mundo que não me pertence, onde posso caminhar sob a Sombra do Vento. Onde livros são esquecidos e pessoas morrem antes mesmo que aquele corpo que as pertence sucumba à ira do tempo. Onde vizualizo não mais uma Barcelona de Gaudí, mas uma Barcelona imersa em trevas, sombras e mistério. Há prisões piores que as palavras, mas estas apenas surgem em minha imaginação e logo se dissolvem na próxima página. Meu envolvimento cresce proporcionalmente às páginas do livro. É como evadir-me num canto de uma memória em um tempo e lugar que não são meus. Me invade uma sensação indecifrável e, entre todas suas complexidades, adivinho um sentimento fúnebre, tal qual as palavras do livro. É como olhar fotos antigas, invadindo memórias e imagens alheias de tempos distantes. É ver o preto e branco surrado de uma fotografia de seus antepassados e pensar no que foi, no que já não é, no que já morreu. Zafón compensa sensações esquisitas com sua poesia e enorme capacidade literária. (O cara é um gênio e eu amo ele.)

(13/04/2009)

(E eu, puta que pariu, continuo com meus fluxos aleatórios de pensamentos)

Sonhos

Era madrugada. O ar começava a cheirar a ingenuidade e sutileza, a troca de olhares passava desapercebida.
Lembro de ti agora com uma certa saudade do que não aconteceu. Um momento roubado de nós pelas circunstancias do presente. Agora, um pretérito imperfeito. Mas quem dirá que teria sido melhor? Por experiência, pode-se dizer que haveria consequencias desagradáveis. Mas, igualmente por experiência, admito considerar uma pena a perda do que poderia ter sido nosso. Assim, deixo a música rolar até o final sem repetí-la mais uma vez. Deixo possibilidades para tras e guardo aquele momento. Guardo seus olhares e suas canções como se tivessem pertencido apenas a mim, em uma única noite, uma unica vez na vida. Eternizo aquela madrugada em algumas palavras improvisadas com a certeza de que em algum lugar você a eternizou também. Daí a humanindade caminha, e nós, muito bem acompanhados, caminhamos junto com ela. Certamente não lembrarei de ti ao acordar amanhã de manhã e, graças a deus, você também não.


(12/03/2008)