terça-feira, 15 de março de 2011

estranhos num café, resenha de alguma qualquer percepção desapurada

Talvez só estivesse sozinho demais para querer ficar sentado com a cadeira da frente vazia e a outra metade da mesa limpa; Talvez um isqueiro como pretexto fosse suficiente para espantar a solidão à potencial companhia daquela estranha mulher na casa de seus quarenta e poucos anos, quase cinquenta. Ela, igualmente só. Ambos próximos e desconhecidamente familiares naquela varandinha essencial, apertada, porém essencial. Usava seu par, provavelmente preferido, de oxfords clássicos, bico fino, salto número cinco. 

O isqueiro veio ao encontro de sua mão, carregado pela dela. Foi como se nele estivesse contido o convite, "Sentaí, tô sozinha também, vai". Ou talvez o pedido pelo isqueiro já soasse exatamente como uma pergunta de quem se convida para sentar. Ele se sentou, não precisaram de muitas palavras, fluiu, pá pow, sutil e suave, preencheram a metade que lhes faltava, limpa, suja. É assim, vê? A alma humana.


Vividos, os dois, era bem notável; cansados, sozinhos, ao menos naquele instante, naquela mesa, convite mudo, guerra fria, desejo mútuo, café. Bebiam cerveja, no entanto. Talvez se conhecessem de vista, de frequência, vá saber; de qualquer forma, era a primeira vez.

De qualquer forma, talvez não fosse solidão, apenas, 
talvez um fosse realmente valioso para o outro, 
talvez ainda fossem suas primeiras opções, atração irremediável, insasiável, nada que não o corpo do outro,
nada como aquele belo par de oxfords jogados à esmo e às pressas, 
ou cuidadosamente descalçados, 
com direito a carícias e beijos, lentos; 
clássicos oxfords preto e branco pelo carpete, 
ansiosos, sedentos. 
Desejo. Preenchimento.

                                                                          É, era isso: 
Em qualquer caso, companhia, solidão ou café, 
Preenchimento.

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