segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A Harpa Mágica, O Poeta, A Cigana e As paixões e Desilusões No Mundo Mágico do Lugar-Comum

(Parte IV - Desilusões no Mundo Mágico do Lugar-Comum I)

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Havia um detalhe que possivelmente explicaria a decadência do poeta. Os ciganos esconderam, entre tantos segredos que guardavam, que a magia que a harpa continha era, na verdade, uma maldição. Uma maldição que consistia na obcessão de seu antigo dono, um escravo que nascera nas teras da Babilônia, no sul da Mesopotâmia. Um homem cujas pretensões de ascenção o levaram à loucura e cujas ambições eram grandes demais para se conterem na simples condição em que nascera. Acreditava que, por meio do seu dom natural para com a música, jamais as alcançaria e, por demais apegado a elas, vendeu sua alma numa encruzilhada. Selando tal, e maldita troca, em um beijo com o diabo, trocou sua alma pelo dom supremo da arte, pela magia de enfeitiçar, através das mais belas melodias já ouvidas, qualquer forma de vida que ousasse escutá-lo. E sim, conseguiu e sobreviveu durante anos na corte a esbanjar dos mais belos privilégios e a participar dos mais dionisíacos bacanais. Encantou os mais belos homens e mulheres, conseguiu e acumulou toneladas douradas de ouro. O único e mais precioso bem, porém, que almejava, jamais conseguira: a sua leve, suave e completa liberdade. Escravo deixara de ser logo depois das primeiras notas tocadas, porém, o seu destino estava nas mãos de outro, logo logo ele teria que pagar a dívida que fizera. Assim, a sua alma, que já não o pertencia mais, definhava e ardia em mãos alheias, mas a tênue ligação que ainda possuía com ela, a qual doía cada dia mais, o causava desgosto. O tempo foi passando e a longa vida o foi ensinando verdadeiras virtudes, mas era tarde demais. E, com o poder do desgosto humano somados à dívida que devia e à frieza implacável do demônio, a alma do antigo escravo foi condenada a enclausurar-se para sempre nas entranhas da bela harpa consumindo a humildade e as energias de quem ousasse roçar os sentidos em suas cordas. Até certo ponto, meu bem, pois

Outro porém, havia. Sim, minha bela, no mundo ainda há compaixão, ainda há o amor. Assim sendo, ao invés de condenar tais apaixonados pela música a arderem para sempre nas estranhas ardilosas do arrependimento, a alma do antigo escravo que regia e dava rumo ao destino dos pobres mortais que, ambiciosos e ansiosos pela perfeição musical perdiam-se no obscuro mundo de tal vaidade, os concedia o poder da escolha. Eram seres condenados a liberdade, e a antiga e sábia alma do escravo assim compreendia. 

3 comentários:

  1. e não é que está na sua vez de surpreender com histórias...

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  2. preciso confessar. espero ansiosamente para os posts seguintes. tudo aqui escrito é muito belo, muito imaginativo.
    é uma excelente contadora de histórias, manu abdala!

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  3. continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua

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